quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Ao palestrino de esquerda

Antes da eleição eu comecei a escrever isso aqui:

“Faz tempo que estava querendo escrever para o Vai Parmera. Tinha outra pauta na frente, sobre a nova Era Felipão, umas coisas fazendo um rescaldo OV e um trololó sobre o Palmeiras e seu torcedor. Mas fica pra depois que tem coisa mais urgente. 
Se ligaram no trololó acima né? Então, pra agora é isso também, trololó petista misturando futebol e política, pedindo voto pra Dilma na cara dura.
A coisa é direcionada a todos os palmeirenses, mas serve aos torcedores de outras denominações também. Porque o que quero argumentar está menos baseado em um time e mais em uma certa visão de futebol que entende que ele não é – não só – entretenimento, produto, objeto de marketing. É um baita fenômeno cultural que não pode ser tratado como se fosse uma coisa qualquer, como se a gente se ligasse a ele de um jeito transitório, para consumi-lo.
Vou começar pela negação, pelo motivos pelos quais quem comunga dessa mesma visão do futebol não deveria votar no Serra. Mas, antes, algo um nível abaixo. Sei que tem palmeirense que vai votar no Serra porque ele é palmeirense fanático desde criancinha e, assim, acha: 1. legal que um palmeirense seja presidente; 2. imagina que ele possa, de alguma forma, beneficiar ao clube. Que me desculpem os que se ofenderem, mas isso é IMBECIL e IRREAL. Primeiro porque escolher o destino do país pela preferência clubística do presidente é ser tosco demais na ordem de importância das coisas. Até porque o que está em jogo não é a escolha de uma pessoa, mas de um grupo que pensa o país de (…)”
Como vocês podem ver, este é mais um texto que eu não terminei e que parte de outro que eu nem comecei a escrever. Ia ser um texto para pedir voto mesmo, tentando mostrar como o Serra representaria uma visão de futebol que eu e muitos outros não concordamos. Ia tentar associá-lo ao futebol da TV, da zona regulatória pós fim da lei do passe, mostrando como os tucanos deram guarida numa articulação pró-mercado desembestada que “libertou” o jogador do clube para torná-lo escravo dos empresários e de clubes. E, assim, abrindo portas pra essa mercantilização excessiva que vemos hoje.
Mas agora não precisa mais, a eleição tá ganha. Só que ficou um rescaldo ruim aí, a associação entre Serra e o nosso time. É sério, pensei em usar a camisa do Palmeiras para ir votar, mas achei que ia parecer declaração de voto ao vampiro. Optei pelo vermelho.
Normalmente, a ligação entre o time do coração do político e o time é algo natural, não é pra incomodar. O problema é que essa campanha ganhou contornos moralistas e de rivalidades regionais bem ruins. Cada vez mais a tucanada se associa a uma paulistanidade escrota, que arrota preconceito e elitismo, que recupera uma religiosidade carola e intolerante, que tenta seduzir apelando para a misoginia e a homofobia. E Serra é a imagem estereotipada do torcedor do nosso time, o palmeirense branco, homem, descendente de italianos e paulistano da Mooca.
Eu não me reconheço nesses valores. E não acho que eles representem o nosso time. Na verdade, me envergonha muito quando vejo esse tipo de preconceito ser repetido no estádio e nos fóruns de torcedores. Não confundam isso com algum tipo de politicamente correto babaca, eu só acho que dá pra zoar e xingar o adversário sem bater nessas teclas. E, pra mim, repetir esses preconceitos significa se alinhar com gente que eu gostaria de ver longe do clube, com esses segundo, terceiro e quarto escalão velho e carcomido que se entranha na administração do clube e que não está lá por mérito político ou administrativo. Está lá porque é filho de Fulano ou Sicrano, conhece Beltrano e, por não conseguir ou não se esforçar em fazer nada bom profissionalmente, se escora no clube para ter seus dias de prestígio no micro-cosmo de um clube de lazer em Perdizes.
Esse não é o meu Palmeiras. O meu Palmeiras é o de Rivaldo, de Alex, de Ademir da Guia, de Djalma Santos e de seu filho, o louco e mágico Djalminha. O meu Palmeiras é o de Simoninha, de Miguel Nicolelis, de Igor e Max Cavalera, do Hugo Hoyama, do humor infame do Mauro Beting. Até do controverso Aldo Rebelo, na sua luta por enfatizar a alma operária do time e que nunca tentou lucrar politicamente em cima dele. E o meu Palmeiras é o Palmeiras de muitos outros, muita gente legal que mal é associada ao clube, justamente porque não está encaixada na gavetinha do estereótipo. Ande por qualquer cidade do Nordeste e veja quantos palmeirenses tem por lá. Olhe para as arquibancadas e veja quantos migrantes se espelharam, ao longo do tempo, no clube que desafia a aristocracia da elite, mostra que pode ser organizar e vencer, não a qualquer custo, mas jogando bonito e encantando. Também na raça, mas sempre com inteligência.
A identidade não é uma coisa fixa. A história a vai transformando, refazendo. É por isso que é importante que os palmeirenses não deixem a imagem do clube se ligar à direita, ao preconceito, à intolerância, à idéia de que uns são mais que outros. Eu não acho isso, e sou palmeirense.

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