O presidente Lula faz uma leitura correta quando diz que as elites o odeiam e transferem este ódio para Dilma. Mas há algo além disso. Há um ódio difuso e generalizado por tudo o que vem de baixo e ameaça não apenas seus privilégios, mas suas posses elementares. A burguesia, (na verdade o rosto do Capital) como classe que controla o processo de produção e o processo político que ela chama de democrático, mas sobre o qual ela detém o controle absoluto, odeia tudo que ameace essa hegemonia.
Tudo que conteste esse poder absoluto que impõe como cláusula pétrea, a posse da terra e dos meios de produção, é considerado crime contra o gênero humano, subversão pura e terrorismo. Era assim na Idade Média, quando a rebelião dos servos era apontada como uma rebelião contra Deus. Foi assim na escravidão moderna, quando a rebelião dos negros era considerada uma anomalia e a subversão da genética.
Luiz Fernando Verrisimo diz que o ódio das elites contra Lula é sinal de que elas não se conformam com o fato de um operário, um sapo barbudo, ter ficando com a princesa. É uma explicação inspirada e inteligente. Mas há muito mais do que isso.
Há o medo que é o principal acicate do ódio e do rancor. No fundo eles sabem que são privilegiados e injustos. Alguns de seus rebentos percebem isso claramente e solidarizam-se com os colonos da fazenda (hoje bóias frias), com operários e com os excluídos. Na verdade, 99,9% dos homens que teorizaram e lideraram as revoluções nos Séculos XIX e XX, de Marx a Che Guevara, tiveram seus berços na classe média.
Me vem à lembrança, agora, esta historinha dos aos 50: Getúlio, então presidente, pediu ao Ricardo Jafet, a quem ele colocara na presidência do Banco do Brasil, que promovesse uma reunião (tipo bate papo informal) com os principais empresários de São Paulo.
Javet cumpriu ordem, houve a reunião é, à noite, Getúlio escreveu em seu diário: “Burgueses idiotas. Eu querendo ajudá-los e eles ainda fazem cara feia”. Se lula tivesse um diário poderia dizer o mesmo, quase que com as mesmas palavras, apesar das diferenças de época e do feitio pessoal de cada um. Os burgueses sevaram-se em seu governo, mas não deixaram de odiá-lo. Gente ordinária.
Mas o que importa é dizer que, ao optar por ser um partido de massas (de centro-esquerda e não revolucionário), O PT foi obrigado a sintonizar-se com as aspirações, valores e com a ideologia (porque não) da classe média, hoje largamente majoritária neste Brasil emergente, pelo menos de Minas para o Sul.
É claro que um partido de centro esquerda, social democrata que foi no que o PT se transformou, é muito melhor que a Direita fascistóide em que se transformou o PSDB em aliança com o DEM. Mas este não é o cerne da questão.
Tudo isso para dizer que quem governa com e para a classe média não pode esperar nada dela: reconhecimento, compreensão e muito menos gratidão. E isto explica, em parte, porque 80% dos eleitores aprovam Lula, mas só 50% votam na Dilma. Egoísta, utilitarista e hipócrita, a burguesia tem como Norte a grana. O resto é perfumaria. E é certo que os estratos inferiores da classe média (a pequena burguesia) macaqueia os modos, gestos, roupas e jeito de comer, dos extratos superiores. Da mesma forma que estes últimos macaqueiam os hábitos, costumes, etc., das elites européias e norte-americanas. E por ai vai.
Isto que dizer que há que procurar novos caminhos revolucionários, mais além do leninismo que foi bom há cem anos, mas que atualmente não faz o menor sentido, até porque, nesta fase crepuscular do capitalismo, burguesia e proletariado, vão perdendo paulatinamente as características de personagens centrais do processo. A teoria marxista precisa se atualizada (não reformada). Mas nossos “teóricos e formuladores” ainda se limitam a repetir palavras de ordem do velho Lênin.
Enfim, com todos os seus defeitos, o chavismo é pelo menos uma tentativa materialmente consistente de se encontrar um caminho alternativo para o socialismo do Século XXI. Aliás, é preciso recordar que no início do Governo Lula, no lançamento do Fome Zero se realizou uma tímida tentativa de implantação de um “poder paralelo” com a criação de Conselhos de Base no municípios, distritos e sindicatos. O objetivo era o de distribuir as cestas básicas.
Mas poderia ter sido um plano piloto para a implantação dos Conselhos nas universidades e grandes empresas, o mesmo valendo para as áreas de segurança. Tudo consiste em derrotar a “democracia burguesa” em seu próprio terreno, desmoralizando a sua farsa. Grande parte disso já foi feito na Venezuela, o que poderá garantir a irreversibilidade do processo.
O problema é que a própria militância petista raramente pensa em aprofundar esses temas cruciais. A maioria, infelizmente (e isso é bem visível no Twitter) limita-se a igualar-se aos serristas e cair na vala comum dos xingamentos e da disputa grotesca para aferir qual dos lados possui mais ladrões. Não só a sociedade brasileira como o próprio PT estão passando por um cruel processo de despolitização.
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